Os Sentidos Do Urbano: A Cidade E O Corpo Em Machado De Assis E JoÐ"ЈO Do Rio
Essay by 24 • December 5, 2010 • 4,532 Words (19 Pages) • 1,424 Views
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Os sentidos do urbano: a cidade e o corpo em Machado de Assis e JoÐ"Јo do Rio
Julia Galli O'Donnell
A temÐ"ÐŽtica urbana e a etnografia jÐ"ÐŽ sÐ"Јo, hoje, velhas e boas conhecidas. Desde a difusÐ"Јo dos motes do "interacionismo" e da "intersubjetividade", glosados pela Escola de Chicago e seus seguidores, o ambiente urbano como campo etnogrÐ"ÐŽfico passou a freqÐ"јentar os salÐ"µes nobres da antropologia, agora povoada tambÐ"©m das assim chamadas "sociedades complexas". TambÐ"©m a HistÐ"Ñ-ria, que hÐ"ÐŽ tempos espera a chance de uma entrada triunfal da diacronia no universo sincrÐ"Ò'nico do presente etnogrÐ"ÐŽfico, jÐ"ÐŽ hÐ"ÐŽ muito tempo deixou de ser uma ilustre desconhecida entre os antropÐ"Ñ-logos. NÐ"Јo sÐ"Јo poucos os exemplos daqueles que, de ambos os lados, freqÐ"јentaram, nas Ð"Ñ"ltimas dÐ"©cadas, o territÐ"Ñ-rio vizinho criando, assim, um atalho de trÐ"Ñžnsito fluido entre HistÐ"Ñ-ria e Antropologia. Se o caminho ainda Ð"© estreito e sobram esbarrÐ"µes, o nÐ"Ñ"mero de transeuntes Ð"© cada vez maior.
Dentro dos panoramas especÐ"ficos acima mencionados, a pesquisa que origina esse trabalho procura propor um espaÐ"§o de diÐ"ÐŽlogo entre as variantes teÐ"Ñ-ricas envolvidas. Cidade, etnografia e passado sÐ"Јo, desta forma, as artÐ"©rias da reflexÐ"Јo a seguir cuja busca, Ð"© por pistas para novas reflexÐ"µes sobre um contexto jÐ"ÐŽ conhecido - ou, parafraseando Darnton (um dos habitues do nosso ambicioso atalho), o que se pretende Ð"© "fazer perguntas novas ao material antigo" . Para dar nome aos bois, por "material" responde aqui o conjunto de crÐ"Ò'nicas de Machado de Assis e de JoÐ"Јo do Rio que tÐ"Єm no microcosmos urbano seu tema e, por "contexto", responde o Rio de Janeiro do inÐ"cio da RepÐ"Ñ"blica, cidade-capital em intenso processo de urbanizaÐ"§Ð"Јo.
Nessa perspectiva, a intenÐ"§Ð"Јo Ð"© a de sugerir uma leitura das obras de Machado de Assis e de JoÐ"Јo do Rio que aponte para o que aqui arrisco chamar de um "temperamento etnogrÐ"ÐŽfico" nesses autores. Para tal, pretende-se formular novas perguntas a esse material, de modo que ele se mostre fÐ"©rtil no exercÐ"cio de alteridade que, na melhor tradiÐ"§Ð"Јo da epistemologia que subjaz os trabalhos antropolÐ"Ñ-gicos, transforma fontes em interlocutores culturais. O leitor-etnÐ"Ñ-grafo e os cronistas-informantes estabelecem, na abordagem proposta, um espaÐ"§o dialÐ"Ñ-gico dentro do qual constrÐ"Ñ-i-se uma perspectiva do contexto cultural em foco na formulaÐ"§Ð"Јo de um tecido interpretativo que, novamente seguindo Darnton, se dÐ"ÐŽ no ziguezague da costura entre texto e contexto.
Devidamente aceitos como documentos (ou informantes), as crÐ"Ò'nicas de nossos autores (ou nativos) ficam Ð" disposiÐ"§Ð"Јo das ansiedades de seu inquisidor. Aqui as perguntas buscam, primordialmente, acessar os sentimentos e os sentidos que o urbano (sob a mÐ"ÐŽscara de "moderno") despertava nos habitantes da Capital da RepÐ"Ñ"blica. Nessa perspectiva, a hipÐ"Ñ-tese Ð"© de que, representando dois momentos distintos do processo de urbanizaÐ"§Ð"Јo do Rio de Janeiro, Machado de Assis e JoÐ"Јo do Rio podem oferecer respostas sobre o panorama complexo da (re)educaÐ"§Ð"Јo comportamental que os novos espaÐ"§os da cidade impunham a seus recÐ"©m-feitos transeuntes.
O Rio de Janeiro do inÐ"cio do sÐ"©culo XX, capital de uma RepÐ"Ñ"blica ansiosa pela formaÐ"§Ð"Јo de uma naÐ"§Ð"Јo una e espelhada no micro-clima da baÐ"a de Guanabara, cidade idealizada e praticada nas ambiÐ"§Ð"µes de Pereira Passos, laboratÐ"Ñ-rio centrÐ"fugo da civilizaÐ"§Ð"Јo que carregava no mote da modernidade todo seu orgulho. "Civilidade", "modernidade" e "parisiense" eram, entÐ"Јo, sinÐ"Ò'nimos no imaginÐ"ÐŽrio e na estÐ"©tica sobre os quais se construÐ"a nossa RepÐ"Ñ"blica, mais feita de vontades que de concretudes. O Rio de Janeiro, vitrine de um Brasil que olhava para si atravÐ"©s do espectro de alÐ"©m-mar, pretendia-se metonÐ"mia de um futuro nacional que, segundo as ambiÐ"§Ð"µes mais radicais, jÐ"ÐŽ chegara Ð" capital sob a bandeira da ordem e do progresso.
Este Ð"©, de forma ampla, o cenÐ"ÐŽrio sobre o qual movimenta-se a cultura cuja relaÐ"§Ð"Јo entre corpo e espaÐ"§o pretende-se captar, sempre dentro do bojo das particularidades da construÐ"§Ð"Јo do moderno (enquanto ideal e enquanto prÐ"ÐŽtica) no contexto de intensa urbanizaÐ"§Ð"Јo por que passava a vida e a geografia do carioca. Nesse sentido, o foco recai, principalmente, sobre os aspectos cotidianos das transformaÐ"§Ð"µes do perÐ"odo, atentando para a sociabilidade do homem citadino no espaÐ"§o pÐ"Ñ"blico da belle Ð"©poque tropical. Mais do que a constataÐ"§Ð"Јo de uma realidade estabelecida que se oferece Ð" contemplaÐ"§Ð"Јo, nossos autores nos dÐ"Јo pistas preciosas de diferentes momentos de um processo que remodelava, reciprocamente, homem e espaÐ"§o sob a Ð"©gide triunfante do "moderno".
Esse "processo modernizador" pode ser visto como um passo alÐ"©m daquele descrito por Norbert Elias em seu Processo Civilizador, no qual o autor identifica a formaÐ"§Ð"Јo da padronagem que hoje conhecemos como o comportamento do homem ocidental, marcado fundamentalmente pelo autocontrole. O homo urbanus de que falamos, herdeiro direto da civilidade primordial, tem ainda diante de si o desafio da cidade, que "Ð"© algo mais do que um amontoado de homens individuais e de conveniÐ"Єncias sociais, ruas, edifÐ"cios, luz elÐ"©trica, linhas de bonde, telefones, etc.; algo mais tambÐ"©m do que uma mera constelaÐ"§Ð"Јo de instituiÐ"§Ð"µes e dispositivos administrativos Ð'- tribunais, hospitais, escolas, polÐ"cia
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